domingo, 29 de janeiro de 2012

EU, A PRIMEIRA PESSOA

Eu, a primeira pessoa,
dispersei-me na explosão das partículas
para entender a extensão do uno.
Eu aprendi com a natureza
a respeitar minhas imperfeições
e a exaltar a minha soberania.
Eu me espelhei em cada ser vivente
e por vezes me esqueci de mim.
Eu criei e ditei as leis no Monte Sinai
e propaguei na terra o fruto da idéia.
Eu ardi nas fogueiras da inquisição
e espalhei minhas cinzas
nas estradas do holocausto.
Eu dilacerei em meio a minas perdidas
e arquitetei as sementes do possível.                          
Eu compactuei com o produto do poder
e escondi meu rosto na estéril culpa.
Eu flagelei minha carne em nome do perdão,
e marcada pelo hálito do pecado
apalpei as lágrimas calcificadas.
Eu purifiquei-me nas águas do rio Jordão
e despida de mim corri na madrugada
em busca de um resto de noite.
Eu dividi-me entre o bem e o mal,
aspirei humildemente o ar da manhã
toquei polens de lírios e jasmins.
Eu ofereci minha outra face,
despi-me da fantasia do imponderado
para abraçar o desconhecido que veio.
Eu reconheci meus corpos,
banhei-me nas lágrimas da emoção
e recolhi no imo, o torto, o avesso. 
Eu me transformei em algoz
e o bálsamo para tuas feridas.
Eu me prostrei diante dos desígnios,
chorando macerei a dor e a poesia
e entreguei às asas da esperança.
Eu ensaiei  a compaixão
e vibrei o amor num simples sorriso.
Eu me fiz instrumento e mensageiro
da tua palavra e do teu grito.
Eu deixei-me transparente cordão
o mesmo que desde embrião
me une a todos.
Eu, a primeira pessoa
- contendo consentidamente
  tu, eles, nós – 

do livro QUASE ARAGEM
de Vania Clares