terça-feira, 28 de agosto de 2012

PROFISSÃO: ESCRITOR

Recentemente reli a biografia de Cora Coralina e toda vez me emociono. Uma mulher humilde, que estudou até a 3ª. série do primário, que fazia doces para sustentar quatro filhos, teve  a sorte de ser descoberta por  Carlos Drummond de Andrade e aos 75 anos conseguiu publicar o primeiro livro de poesias deixando uma obra belíssima.
Alguns exemplos também me emocionam e incentivam:  José Saramago foi autodidata,  trabalhou como serralheiro, mecanico, desenhista industrial e também publicou na maturidade.  Herman Hesse foi operário, Rui Barbosa,  jurista. Carlos Drummond de Andrade foi  funcionário público, Lya Luft, professora universitária. Vinicius de Moraes foi diplomata, Ignácio de Loyola Brandão, jornalista. Machado de Assis, de vendedor de doces fundou a Academia Brasileira de Letras juntamente com José Veríssimo e tantos outros, ligados ao ofício da palavra mas não tendo a profissão de escritor, que é uma profissão regulamentada, mas não reconhecida.
Em 2008, o Deputado Antonio Carlos Pannunzio entrou com o Projeto Profissionalização do Escritor, projeto  de Lei nº 4641, inspirado talvez em outros países como a Inglaterra, onde toda editora é obrigada a doar um livro de todos títulos publicados para as blibliotecas, como a Espanha, a Alemanha e a Argentina, onde os escritores recebem subsídios para sobreviver. Aqui no Brasil, há alguns anos, nosso Mário Prata lutou para poder preencher seu Imposto de Renda corretamente, escritor ao invés de assemelhado, enviando uma carta ao então presidente  Fernando Henrique Cardoso, assim como lutaram Leila Miccolis, Urhacy Faustino e tantos outros.  Algumas entidades e associações trabalham arduamente como é o caso de UBE, onde já aconteceu o Congresso Brasileiro de Escritores com a presença de vários autores, com  palestras, oficinas  e saraus. Apesar de tudo, o Projeto 4641 foi indeferido em abril de 2012. 
Talvez, penso eu, pode ser muito complicado inventar-se leis com seus deveres e direitos. O que regeria? Teríamos exceções? Cora Coralina por exemplo, sem ter cursado uma universidade poderia ser escritora? O que estaríamos perdendo se fosse uma das exigências? É difícil imaginar quais seriam os quesitos, as exigências, afinal, temos estilos, idades, poetas, contistas, tradutores.
Imagino também quantos  analfabetos seriam nomeados e listados  para qualquer benefício que poderia advir; haja visto o cabide de empregos, o nepotismo que assistimos. De qualquer maneira, não existe escola para formar um escritor, assim como um jornalista que assina sua matéria sem precisar de diploma.
Eu mesma fico nesse impasse. Assumir ser  escritora - independente de renda ou regulamentação - é o que menos se pensa quando se tem essa arte. Tenho meu ganha pão e  encontro espanto quando digo que trabalho na área financeira e administrativa desde os quatorze anos por força da necessidade. Gosto do que faço, mas gostaria também  de ter mais tempo para me dedicar, passar mais noites em claro, obedecer a minha sina.  Sempre deixei meu ofício de escrever como uma coisa minha, meu segredo, meu registro de vida. Já com a família formada, escrevendo desde sempre, procurei as Oficinas Literárias para sentir meu texto. Ainda me vejo ao lado do Plínio Marcos, num grupo de quase oitenta pessoas, entre artistas, jornalistas, oito poetas. Num exercício para a liberação da palavra eu grito:  “Não é minha essa terra, nem o espaço em que levito, não é minha essa luz, nem o canto que tento, só é minha essa angústia e a vontade de voar, só é minha essa carga e a contradição de seguir” . E questiono:  que faço com isso?  Ele, quase irado me ordena:  aproveita esse dom, solta essa poesia!  Mais tarde, Caio Fernando Abreu me pergunta com lágrimas nos olhos, ao ouvir no meu poema : ...”é um defeito meu não saber falar e aparecer com folhas escritas...”  Vania você acha que é um defeito? Caio, querido amigo dos silêncios repletos de palavras, prefaciou meu Urgências de Auroras em 92 dizendo: “... E me pergunto então se a poesia não será, justamente, a recriação obsessiva e delicada de algo que, sem ela, seria insuportável de ser vivido”. Seria mesmo, eu respondo agora, não saberia ter trilhado outro caminho senão este.
Algumas coisas, depoimentos de amigos, emoções que me são devolvidas sempre me levaram a publicar meus livros, quatro dos quatorze já escritos. Sei produzir o livro depois de escrito, registrar na FBN, catalogar na CBL, obter ISBN, revisar, diagramar, escolher o papel, acompanhar a impressão, organizar encontro para autógrafos, enviar convites,  negociar as porcentagens com livrarias, já trabalhei para editoras e aprendi. Tenho muita coragem para enfrentar essas etapas, mas sou péssima vendedora. Quase todos escritores são. Invejo os que andam pelas noites vendendo de mão em mão, os que se mantem só escrevendo, os que conciliam com outras atividades mais coerentes como teatro, cinema, artes plásticas. Não almejo sobreviver de livros, muita utopia para este Brasil faminto, mas sonho ainda com uma forma de viabilizar meu projeto de vida, vender um livro para produzir outro pelo menos, alguma forma para que aconteça isso, que apareçam mecenas, empresas, forças ocultas, loterias, quem sabe?!
Não me sinto no direito de desistir, pelo que sei da minha densidade, do que posso dar, da transpiração que vem depois da inspiração. Não me sinto nesse direito. Fico imaginando quando eu me for deste plano o que meus filhos farão com o legado de tantos papéis... Mas um direito acho que posso ter: o de pedir que comprem meus livros, presenteiem os amigos, ajudem a divulgar, compartilhem,  peçam mais, preciso continuar... Afinal, o que alimenta a alma é menos importante do que alimenta o corpo?