sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

ARRIMO


 

Para a poesia de Thiago de Mello

 

Por mais que a palavra dor

crave no peito feito lâmina,

por mais que deserdados,

calados e na própria terra

apunhalados e exilados,

por mais que nos espreitem

nas esquinas do mundo

e nos encharquem de enganos,

nem por isso deixaremos

de cantar nem de plantar

girassóis nas sombras.

E nem será desacreditada

a claridão da manhã,

Aprendemos com as luzes

da escuridão e dos sonhos

e no caminho dos ventos.

A nossa escolha será a mesma

com a verdade que nos tocou.

Levem-nos pela mão os meninos

e nos arrastem os sorrisos ternos

de amor inflamado nas auroras.

Preparemos amanhãs.

Ainda habita no coração a liberdade

viva e transparente da poesia

sempre em permanente ebulição.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

PRETENSO ALCANCE


 

Nos devaneios das altas noites

encantam-me divinas miragens,

colho frutos de sinais inocentes

mas impelem-me às paragens.

 

Dispersa-me o efetivo que vejo.

Como isolar a luz em redomas

quando alinhados em cortejo

seres se perdem em dilemas?

 

Paralisada no ponto suspenso

distende o tempo em sincronia,

quando em vão o sonho pretenso

sobrevive altaneiro em sinfonia.

 

Inevitável agonia! Miro o verso

e imagino uma ponte que alcance

nos gelados corações um acesso

e esbarre porventura de relance.

 

Cegos, semimortos, impenetráveis,

surdos, se prostram nas escadas

dos templos de causas execráveis

enquanto jazem palavras calcadas.

 

Quem dera a poesia transformasse

as dores do mundo, transmudasse

o que é desavença em harmonia,

em amor generoso o que aturdia.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

SÚPLICA


    

 

Quando teimosa reclamo da tua ausência,

não penses que é fruto da temida solidão,

nem quando choro saudade na clemência

de um alento que desfaça sentida mornidão.

 

Rememoro a cumplicidade dos momentos

singelos, intensos, loucos, assim me basto.

Viajo no meu mundo isento de tormentos,

asas abertas receptivas a um sonho vasto.

 

Quando eu peço, te imploro, vem comigo,

não é para ocupar um lugar, nenhuma falha.

Na viva poesia me regenero, encontro abrigo.

 

Quando eu deliro e rastreio nas insones noites,

estejas convencido da magna fé que orvalha.

Vem, mesmo para lembrar o quanto real fostes.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

ESTADO LEVE DA ALMA


 

Não nego, não escondo a imperfeição.

Sou constante e relutante buscadora

seguindo tenaz a travessia da intuição,

aliada a sempre realidade desafiadora.

Abreviado é o tempo para mudanças.

Aquieto ousada a ansiedade presente,

a impulsionar as imprevistas andanças

e atenta à clareza do risco eminente.

Dentro do que passou denso e célere,

tento acalmar minha alma sublimando

o sonho que foi. Por mais que impere

o gosto amargo há desejos clamando.

Somente a sutil poesia desfere coerente

suas teias amorosas que me enredam.

Sigo seus rastros, lanço-me à corrente,

esqueço as asperezas que me cercam.

Nas entrelinhas, dela me faço cúmplice.

Ao entranhar-me salva como vital parte,

liberto-me de alheios lemes e da sandice.

Entrego-me à simbiose, à leveza da arte.

 



segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

VÃOS RESSENTIMENTOS


 

Já dizia uma sábia mulher vivida:

enche a boca d’água e não escutes,

não permitas a ferocidade sorvida

alavancar rodamoinho de embates.

 

Não há resposta na hora da raiva,

reprime o choro que te avassala.

Tua certeza por mais que evasiva,

no momento será o que apunhala.

 

Nenhuma justiça será perfeita

diante da palavra que esbraveja,

toda atitude se manterá sujeita

ao furor da mágoa que craveja.

 

A vivência do que já foi harmonia

tornar-se-á esquecida e sepultada,

ao entranhar-se o fio da discórdia

nas vozes com violência exaltada.

 

Todos tem razão nas suas queixas

e todos a perdem na brutalidade.

Falta de diálogo, as duras ofensas,

jamais conduzirão à assertividade.

 

Quando se põe o rancor à frente

esquece-se da necessária leveza.

Que resista a outra face inerente

ao amor. Condiz com a natureza.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

TE QUERO ASSIM


 

Te quero assim,

coração descompassado

e perdido,

extravasado de emoção.

Te quero assim

transparente, de claro olhar,

sem assumir culpas,

ausências ou excessos.

Te quero assim

bonito, a sorrir

dos meus silêncios,

trazendo flores,

em poemas dissecado,

exorcizando anjos

e demônios adormecidos,

querendo-me em só entrega.

Fica assim

menino sonho,

doce pausa,

história quem sabe vivida,

embarcação leve,

sem direções.


DEVOLUÇÃO


 

AURORA


 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

NO OLHAR


 

Adentro por essa porta,

convite aberto

do teu olhar.

Tateio ainda,

misto de medo e ansiedade.

Espantada pelo acaso (?)

nos permito

degustar o momento

com percepção de detalhes,

o arrepio incontrolável

que magnetiza sem escolha.

Também me guiei

na multidão

num reconhecimento

de transparência.

E estranhas

porque te vejo além?

Meio bicho, meio anjo,

menino, homem, poeta,

entregue, inteiro.

Adivinho o tato

e disfarço o descompasso

desordenado da emoção.

Penso no inevitável,

meu rosto moldando teu riso,

teu desejo me iluminando,

ressuscitados

nessa louca simbiose.

Adivinho o abraço

depois do voo altaneiro

que cruzará a noite.

Pressinto a aurora.

E nos percebo desde já

fatalmente calcificados

nos nossos olhos.


CORAÇÃO DENEGRIDO



Ah coração! Subjugado

ao partir do seu próprio

e tantas vezes enganado

no mero rumo simplório,

guiado no senso comum.

Será coerente e correto

que se submeta a um

jugo absurdo e direto

do exato conhecimento,

do lógico, quando busca

explicações, discernimento,

quando a mágoa ofusca?

Fazer valer sentimentos,

quiçá alcançar plenitude,

dependerá de argumentos

alheios a sua explicitude?

Cabem todas as respostas

no seu ritmo descontrolado

à margem de feridas expostas

no ilimitado desejo imolado.

Que exploda e padeça latejante

quando será mais que suportar,

mesmo que se curve rastejante

e se negue heroico a desertar.

Mesmo assim, até quando

Deus permitir vive somente,

desvirtua ânimos pontuando,

cumpre o trivial, o premente,

enquanto pulsar o que lhe cabe.

Somente o coração pode perseguir

a luz libertadora que ele sabe

na sombria escuridão distinguir.

 

  

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

INTERMEDIÁRIO


 


Ai, desta minha paciência,

até eu me canso.

Enquanto repito

em mínimos gestos,

eu amo, eu amo,

mais aumenta

o descompasso

do meu ritmo

intermitente

e incontrolável.

Justo eu,

que não creio

em sentimentos

que despontam

e sobrevivem

sozinhos.

A estrela d´alva

anuncia a noite,

vêm depois outras.

Mas eterno

esse crepúsculo,

solitário demais.

Intermediário.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

LICENÇA



 Meus poros, meus olhos,

a angústia de momentos

que esvoaçam na memória,

ora cortando, ora cobrando.

Minhas mãos, minha garganta,

a pureza de um tempo

sem discernimento e sem retorno.

Meu corpo, eu inteira

preciso chorar, explodir

essa melancolia engasgada,

deixar de ser covarde, renascer

sem receio de ferir o mundo.

Preciso olhar no espelho,

acordar em mim mesma

a força esquecida ou anulada

recolher as cartas do jogo,

contar os pontos,

respirar auroras sem névoas,

respirar auroras sem medos,

se me derem licença,

se me derem licença