segunda-feira, 28 de setembro de 2020

POSSÍVEIS ESTRADAS


 

Não percorro

largas estradas

Abeiro-me

nos atalhos

Fica a sensação

do caminho

mais longo

Detenho-me

a mirar a paisagem

e aproveito

alguma sombra

que me ampare

Escondo-me

às margens

Covardia?

Assim disfarço

o tempo

Só imagino

o rumo

Enquanto verde

estiver o sinal

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

LEGADO


 

Devo? Posso? Quero!

Questionar o óbvio

e com olhos de coruja

catequizar o seu interno

como um meio.

Cansa tanta moralidade

na busca única de fins.

Os direitos fatalmente

ressalvarão o outro,

mas enquanto exploras

fórmulas, formula as tuas.

Transgride, esbraveja,

substancia a construção

do que poderá servir,

legitimando a compaixão

como se a cura daí viesse.

Teimosamente tenta

erradicar, sanar o mal

sem contaminar

os versos que brotam

e a verdade que se eleva.

Mesmo no caminho

insano, adverso,

que o ócio promova

a extasiante surpresa

de ainda ser ouvida

a música da tua alma

entoada em liberdade

terça-feira, 22 de setembro de 2020

ACOLHIDA SURPRESA


 

Bem-vindo seja

o afago que se entrega

o presente que enseja

a bênção que segrega.

Extravasado em versos

em transparentes olhares

em sinais, gestos emersos

em linhas subliminares

em desconexa comoção.

Que resulte surpresa

a aportada devoção

entoada com destreza.

Venha o querer sublime

em desmedida amplitude,

que muitas vidas ilumine

e frutifique concretude.

Mantenha-se à larga coração,

reconheça como infinitude

o amor doado com emoção.

Pois tudo sabido se esvanece

nos elegidos dias de solitude,

acolha enfim o que ensandece.

AS FLORES


 

Despudoradas,

brincam de sedução

com perfumes doces,

intensos, inebriantes

e cores escancaradas

 

Multifacetadas

ressaltam a benção

da explosão em nuances

dominam independentes

ânsias desabrochadas.

 

Diversificadas

enfeitam a vida e a morte.

Prestam-se às chances

para toda e qualquer sorte

e confissões desveladas.

 

Encantadas,

ao ressurgirem gratuitas

lembram que as vidas

podem ser assim explícitas

renascentes e válidas.

 

Exaltadas

pela beleza difundida

ensinam a simplicidade

a conformidade da servidão

a ciência da brevidade

a benevolência da claridão

sábado, 19 de setembro de 2020

DESEJO


 

Faltam-me os abraços,

os olhos nos olhos,

anseios, os entrelaços

de toques e brilhos.

 

Cantilenas sussurradas

sedentas de paixão fugaz

pelo tempo consagradas

repletas de deleite sagaz.

 

 Doce perfume das flores

nas pérgolas coloridas,

a travessia de pontes

de promessas proferidas.

 

O brinde, o vinho selado

na licença à felicidade,

o bem querer acalentado

acolhido em cumplicidade.

 

Dá-me o lenitivo da remissão.

O sopro, o mel, o néctar destilado,

da vida a abençoada permissão.

Que vingue o amor sacramentado

OPÇÃO


Ainda prefiro

o desequilíbrio,

o arrepio,

o tato urgente,

o resgate,

a catarse.

Ainda prefiro

o andar rasante,

o voo na noite,

o catar pedaços,

o soluço no limiar

das emoções

e acolher tudo

sem medos.

E nem que seja

pelo próprio desejo,

enxergar o fio

que se alinha

à distância

do ponto sem tempo.

O fio no tempo

do desequilíbrio

de amar.

 

ADOÇÃO DO CAOS


Enquanto proclamam

as mortes em chamas

mentiras se esparramam

esmeram-se nas tramas.

 

Comodamente acreditamos

na inexistência do lado

mais bestial,  desdenhamos

do lado infame retratado.

 

Lavamos simplórios as mãos

pelo que também causamos,

atribuindo aos supostos pagãos

o saldo das perdas e ganhos.

 

Do que foi dizimado

o que ficará na lembrança?

Diante do consumado

na destruição a mudança?

 

Enquanto evocamos a paz,

fingimos normalidade

apegados ao que compraz

negamos cumplicidade.

 

Assistimos aos  mortos vivos

escondendo, mascarando os fatos

aos que se mostram passivos

e não se manifestam aos atos.

 

Comprometida a sobrevivência

para o caos somos arrastados,

rebatemos com subserviência

pelo conformismo e dor guiados.

 

Aceitamo-nos vilmente subestimados.

Ofuscados nos armamos de ignorância

enquanto consentidamente calados

decrescemos a fatal consequência.

 

Ficam na terra todas as heranças.

Esquecem friamente e com sordidez,

do futuro, do amanhã,  das crianças,

dos filhos que nascerão na aridez.

 

Semideuses bastardos de fé desgastadas,

destruídos pela cegueira, na inconsciência.

Em tempo, não nos limitemos a mãos atadas

enquanto a  natureza morre pela ganância. 

CONFISSÃO DE EREMITA


 

Deleto meu deleite

na massa assistente

que fremente delira

no espaço escasso.

Decreto meu exílio

ante o engodo tolo

de espelhar sem ver,

se entregar sem ter.

Vazia de arrependimentos,

abstenho-me do prazer

vão de recolher restos.

E não consinto ser mais um

menos que eu mesmo.

Retenho a ilusão

vaga de etéreo éter

e contenho Deus, inteiro.

No fardo da compreensão

que arrasto atópico,

pesa o peso

do purgatório

sobre meus ombros.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

ESSES DIAS


 

Não mais vinte e quatro horas

têm esses dias

que se arrastam opacos.

Têm o peso de anos,

torpor de lágrimas arrancadas,

um se perder nas estradas.

Têm a fome do andarilho,

a ânsia do indagador,

o oco do aborto,

a clareza do excesso.

Esses dias têm subvida,

tique-taque de relógios,

sirenes de fábricas,

embargos de crepúsculos.

Querência de amanhecer

e distante sensação

de sonho e brisa.

Não mais vinte e quatro horas

têm esses dias.

Multiplicadas horas

de sentida ausência.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

CLAREZA


 

Sangra

vomita carmim

doce

intermitente.

Sangra

jorra inteiro

grosso

insistente.

Enquanto

tenta-se o riso

vive-se o cio

de sangrar a dor.

Percepção pura

antes dos fatos.

Real clareza

do real.

DISPARIDADE


 

Entenda.

Não me presto

a sentimentos mornos.

Todo sentir

vem assim

febrilmente,

em explosão,

dilacerando

a mil por hora.

Sentir não se guarda.

Nem se finge dormir

ou se anestesia

os momentos.

Sentir envolve vísceras,

paixão, tesão,

nervos, neurônios,

células em reprodução,

entrega.

Morosidade me exaspera,

em ciladas me embosca

e no descaminho

inexisto em sombras.

Convulsivamente

calo-me.

Respondo em lágrimas

e elas te confundem

no teu passo único.

Retrocedi

ao te buscar

no teu morno lento.

E me perdi

nos atalhos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

DO PARAPEITO VITAL


 

Não sou aquilo que vês...

A couraça que percebes

é o excesso de fragilidade,

que move ou tortura.

Dentro da concha cerrada,

a porta em ferrolhos,

permito frestas que me alimentam.

E o alimento caminha filtrado

no suporte do meu parapeito.

Nele contemplo

o complexo do ser

em solidão e unidade.

Contemplo a comunhão

da beleza e ironia,

da grandeza e mediocridade,

dos rumos e destinos vãos,

do irreversível óbvio pó

e o tão divinal inevitável está

em simplesmente ser.

Em entendimento e devolução

converto o que vejo

em palavras que registro.

Em minha suposta apatia,

passam as coisas, os homens,

os fatos, e deixam cargas e marcas

e a sensação, de ser tudo

simples e infinito.

Não há nada que me exclua

ou me distancie da engrenagem.

Sou partícula num todo

de massa, cinza, éter.

Mesmo deste parapeito inescrutável

(dirás?) e vital feito placenta,

habito um universo em que sou parte

e magicamente sou todo.