segunda-feira, 22 de outubro de 2012

ORAÇÃO



Piedade Senhor, piedade.
Este meu corpo
que encerra o pó cansa,
cansa das oscilações dos ânimos,
do estado letal de degeneração,
das inevitáveis perdas.
Esta minha alma
à tua semelhança,
recicla incoerentemente
a força a cada aurora,
a toda aspiração permitida
e na consciência do  existir.
Piedade, piedade peço.
E peço como todos,
que as violetas floresçam
e a brisa me traga
cheiro de chuva e terra,
a terra onde deleitarei meus pés.
Possa eu ver o arco-íris
e sinta a necessidade
das tempestades que arrastam
e renovam os caminhos.
Que eu perdoe, mas também
resguarde mais minhas faces.
E apesar de tudo
enxergue o outro
como parte inegável de mim.
Seja eu testemunha
da felicidade também,
do renascer das cinzas,
que eu tenha os ombros leves,
jamais negue o conforto.
Os teus desígnios
eu possa entender
e questione todos atalhos
com sabedoria.
Que eu perceba a luz ao longe,
antes da névoa prenunciada
e bem perto avalie com calma
as interpretações várias.
Que eu as aceite,
limitado que sou e sei.
Eu, que tenho meus mortos
tão presentes em mim,
permite que permaneçam.
Assim como permanece a certeza
do amor que vingará
feito fruto no amanhã,
como ressurgirá sempre a criança
saudando a vida que domina.
 Assim como o espírito
que se aninha desde sempre
e suporta a fraqueza e o medo
nas adversidades constantes,
transmutando a dor em elevação.
Faze-me humilde na pretensão
ante a possibilidade do eterno.
Que eu não esqueça de rezar
antes de dormir,
com a mesma emoção de agora.
E tenha a mesma emoção
de quando percebo
no quanto amo e sou capaz
e no que tenho para amar.
Dá-me o crepúsculo
sem a aflição das mudanças.
Com varandas, escolhas,
cadeiras de balanço, risos,
abraços apertados,
incensos, papéis,
flores de maracujá,
lágrimas ternas, surpresas,
perplexidade de infância,
vozes de lucidez,
conformidade.
E sem pedir muito,
um amigo para falar
nas madrugadas.