quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

PARADIGMA DE FORÇA




Não sou.
Pura invenção de pétala,
ostentando ousada
a rigidez crua
do orvalho pousado.
Memória de perfume doce,
adorno imáculo
e brilho de rumos.
Mas que se desfaz
ao vento contrário.
Sem redomas,
desfibrilada,
desfaçatez ácida
de morte.
Aí então paradigma:
quando se faz
húmus da alma.

de POR TRÁS DO VIDRO FOSCO

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Trecho de "ESBOÇOS IMPERFEITOS"

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           Na caminhada, um mosaico de lembranças se apresenta e lentamente vou juntando os pedacinhos.  É fascinante poder lidar com porões abertos, como visitante, olhando por cima deles.
Porões carregados, tudo o que possuo.  A dor me toma como a um templo.  Iluminando, parafinas derretem-se formando estranhas imagens na minha alma, contorcidas, acumulando transparências.
Perco o medo.  Gozo a minha capacidade de sentir a dor e não fazer dela a minha bandeira.  Porque bandeira mesmo é a nata dos sentimentos, todos grudados em minhas paredes rachadas, nos meus ninhos.  A consciência de que a dor e a poesia são universais, não-temporais, e nem por isso sou menos feliz. 
Porque bandeira mesmo é o paradoxo entre essa mesma dor e a vontade louca de viver, de amar cada segundo como um presente. O paradoxo entre querer passar a limpo os rascunhos todos, os ensaios de vida, e a certeza de se saber efêmero, passageiro como as folhas que eu vi lá fora.
            Lembranças são em que me agarro agora.  Ninhos delas.  Molas-mestras que fazem explodir os relâmpagos.  Um prato de sopa sobre a mesa, odor salgado de lar, meias furadas, contornos de unhas, rosto de criança dormindo, chuvinha molhando as plantas no quintal, feijão com toucinho e louro, um roupão no banheiro, Ray Charles cantando,  infindáveis lembranças. 
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            Pertenço ao mundo.  À minha poesia.  Perco o medo de mostrar-me.  Agora eu pari meu ser adulto, aquele que foi jogado no meio da noite, urinando de pavor, com as faces vermelhas. Agora eu pari meu ser adulto, aquele que aprenderá a carregar a dor e a acreditar na  extensão e profundidade do amor.
            Largos campos serão caminhados, os pés afundarão na terra e tocarás os vermes também.  Conhecerás cada célula do teu novo ser e todas elas responderão radiantes ao chamado da vida.  Enfim, terás a necessidade de chegar ao outro, integrar-se aos muitos seres e somente assim estarás plena.
            Era a minha voz que dizia e eu escutava perplexa.