quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

RENOVAMENTO


 

E quando não der

mais para reprimir

não confundas efusão

com fragilidade

Deixa vir, te entrega

e chora largamente

E quando te invadir

a emoção desenfreada

tal corredeira impetuosa

liberta-te, cresça o rio

sem temer o imprevisível

E quando essa força

conduzir-te à essência

inevitável de ti mesmo

na nascente da alma

já prenunciarás o cio

extremo estágio

do milagre regenerador

Renasce então!

Em ti habita a semente

do fértil Criador

que gera a vida!

Irradia a tua luz

Voa altaneiro

Vive!


segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

EXSPECTARE


 

Já vivemos o bastante?

Quantos de nós colapsam

pelo triste hoje conflitante,

pelas notícias que arrasam?

 

Ante o incerto nos retemos

perdendo valiosos segundos

ou sem inspirações detemos

sonhos, em medos dizimados.

 

Morremos em fragilidade.

Quando a fé se dissolve

no domínio da iniquidade

nem milagre nos absolve.

 

Unamo-nos em vibração

em um só canto de espera

à única e divina aspiração

ao que hoje nos exaspera.

 

Que seja vida, a vida somente

presente no amanhã ansiado,

que seja uníssono e veemente

o desejo de todos anunciado.

 

Seja antes entendida a vontade

máxima e primorosa do Criador,

difundidas com plena integridade

palavras que enobreçam o amor

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

DOR FRATERNA


 

Diviso em mim sentida fraternidade

mesmo quando me intimam a calar

quando me arrasta a adversidade

e vem premências em mim plainar.

 

Pouca coisa mudou, ainda assisto

muita inconsciência e só descaso

e diante disso me afasto, subsisto.

Em lágrimas converto, extravaso.

 

Imperam os contrastes absurdos,

mesas fartas e estômagos vazios,

há vidas miseráveis, rotos fardos,

crueldades explícitas dos gentios.

 

Consagro-me à dor consternada.

A poesia busca alento, esmorece

na comiseração aflita, carregada,

a meta da paz ansiada obscurece.

 

Estado de maturação, fragilidade.

O verso caminha no seu reverso,

penso-me vã, em vulnerabilidade

extravio-me num vale desconexo.

 

Permaneço fraterna em vibração,

rogo aos céus que amem os seus,

compassivamente peço em oração

que em todo ser habite um Deus


quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

PERDÃO


 

A todos eu penso que perdoei

neste meu caminho incauto.

Tantas vezes em muito destoei,

abati-me, deixei-me conduto

do alheio fel, ferida a ferro e fogo.

Perdoei os que me enganaram

e verteram palavras em sumidouro,

sem hesitar, falsos me trocaram

por meras trinta moedas de ouro.

Os que beijaram a minha face

com lábios gelados e secos

os que pretenderam um enlace

e se perderam em botecos.

Ácidas palavras me cobriram

e antevi a cruel perversidade.

Já perdoei dores e desamores

despejados em mim sem piedade.

Inescrupulosos se refastelaram

na minha inata docilidade.

Já perdoei os que provocaram

a ira, o grito, meus temores.

De todos escondi as covardias

e doei amor com permissividade.

Só a mim não logrei perdoar.

Nem dos inconscientes atos.

Com a máxima culpa a atordoar

carregarei até abstratos fatos

além do fim dos meus dias.

Que me permitam cair dos céus

reparação, salvação que valha,

o ensejo de dispersarem os véus

e não tornar a mágoa uma muralha.

 


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

INEVITÁVEL


 

Olhando o inevitável

da minha vida,

esqueço momentaneamente

que sou sombra.

Vou delineando os atos,

revivendo os passos na memória,

constatando simplesmente

as vezes em que eu pude estar

íntegra, pura, resplandecente,

quando Deus me aceita no colo

e me deixa parte na unidade

infinita e completa da natureza.

Esqueço momentaneamente

minha cumplicidade com os homens,

meu cheiro impregnante de carne,

as cargas de ira engolidas,

o retorno a ser sombra.

No Teu abraço me aninho

Luz, ocaso, verde imensidão de paz,

não suportando a consciência

da condição de ser fraco.

No Teu abraço me refaço

para alcançar a força, a lucidez

e continuar o encargo de viver.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

AVE PROCELÁRIA


 

Guio-me na adversidade.

Identificam-me também

de alma-de-mestre.

Do aviso me incumbem

beirando o quase terrestre

dos mares. Voo em bandos

e precedo a tempestade,

não levo aos pobres fadados

a bandeira da temeridade.

Anuncio o que vem.

Que se preparem os sábios

e à natureza se curvem,

entendam seus desígnios.

Digladio com as procelas

e enfrento no mal a força,

a demência das querelas.

Não vive em mim a desgraça.

Só meu cântico lembra guerra

e o que antevejo a paz encerra.

Atenção! Não despreze aporte.

— é preciso estar atento e forte

não temos tempo de temer a morte —


FAMÍLIA



No ACGT básico do DNA

é só uma mudança de ordem

que reconhecerá as diferenças

sem demandar privilégios.

A hereditariedade carregada

por gerações seculares,

porte, cor de cabelos, da pele,

misturas de traços, doenças.

Isso faz um melhor que o outro?

Temos plausível resposta?

(É tão explícita a genialidade

de quem nos fez múltiplos

para formarmos um)

O que determina os genes

dos sensíveis, dos que se doam

dos empáticos, dos humildes?

O que explica a negação

do homem pelo homem,

as injustiças do poder,

o que explica o direito

ao extermínio, ao homicídio,

se todos pertencemos

à mesma origem humana?

— Ainda em estudo o mistério

para sua função evolutiva,

do DNA lixo, o não codificante —

sábado, 5 de dezembro de 2020

OUTRO


 

EU SER


 

Não, já não te espero

com igual ansiedade

primitiva de quem tem pressa.

Resta-me uma calma

que não é paz, nem fúria,

nem fim, nem tormento.

Estando só, até penso:

acostumei aos murmúrios

que vêm lá de fora, da noite.

Sei ainda, serão diversas

as horas em que faltará

o afago da mão amiga.

E tu, coisa ou ser indefinido

da motivação da espera,

sei, não és amor nem morte.

Talvez o desejo de no final

contemplar-me - Eu Ser –

para encontrar nada

ou então descobrir o universo.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

OUTRA FACE


 

E veio um outro tempo,

amargo, real, aniquilante.

E veio mais um sabor,

o da derrota, do sangue derramado,

feridas antigas.

Esqueço a paz camuflada

se for preciso

para um canto mais vivo.

Devolvo a palavra, o gesto.

Sangro a ferida alheia

para cauterizarmos juntos

em simultâneos prantos.

Nasça um novo tempo.

Aconteça um fim geral,

para o que der e vier

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

NADA POR ACASO


 

Para quem eu quero ser amiga, peço:

não te espantes com intensidades,

só sei de entregas totais.

Porque reconheci e divisei

a aura que te colore magnética,

entre muitas estradas e estrelas

não devo, porque não quero,

deixar que flua despercebida

sem que nela eu delire.

Não te espantes com a emoção

que vem jorrada constante limpa.

É o meu modo de levitar

e enxergar através de muros e disfarces,

num voo ainda de gaivota aprendiz.

Nem quando me isolo e choro

em estágio embrião, sou casulo

e sei que vou nascer, verás.

Nem te inquietes com meus silêncios,

é um defeito não saber falar

e a aparecer com folhas escritas.

São retratos completos da minha alma.

Para quem eu quero ser amiga, aviso:

é preciso que sejas capaz

de captar pedidos de socorro,

cheiro, tato de desejo,

um riso solto na noite

ou um olhar triste, na multidão

de fantasmas e fumaça.

E que me bastará um afago,

um abraço, uma canção

e tudo terá resposta

com a mesma ou maior densidade.

É preciso que saibas também

que não te farei herói,

porque há muito desisti de inventar

orgasmos e brinquedos,

porque acredito ainda na magia

de desnecessárias premeditações

e na explosão das possibilidades,

como pode ser esta agora

de te chamar amigo.