quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

De DEPOIS DA CHAMA ACESA

Não me bastou
remover o roupão suado
esquecido no banheiro,
despejar o desodorante,
teu cheiro na pia.
Não me bastou
limpar cinzeiros e frestas,
enxugar respingos e lágrimas,
esconder temperos e mágoas.
Não me bastou
inventar uma cara nova,
disfarçar com sorrisos,
enveredar por atalhos.
Nem precisei de nada disso.
Continuo impregnada
da tua presença.

domingo, 2 de junho de 2013

DISFARCES



O olhar condensa a lágrima suspensa,
intuitivo recado disfarçado.
Um sorriso pode encerrar a dor
e a conformidade a aceitação,
como o cheiro avisa da chuva
e a claridade da estiagem.
Folheio páginas de trás para frente,
ordem única de compreensão.
Atenta ao que vem antes do gesto,
pressentindo o fato,
arrepio constante da adivinhação.
Rápidas deduções guardadas,
táticas de sobrevivência.
Pareço dormir no entanto.
Marcam os meus dias a obstinação, a sina:
na sequência do contrário sempre,
contento aparências,
enquanto nas noites, vivo.
E são atemporais as minhas noites
onde destilo e filtro os dias
preservando essências.
Somente assim gero a expectativa,
enquanto ainda me surpreender
a desfaçatez das descobertas
e enquanto me permitir o tempo.

 de "QUASE ARAGEM"


terça-feira, 9 de abril de 2013

de DEPOIS DA CHAMA ACESA

Cheiro de café,
cebola e alho fritando,
incenso Padmini,
Ray Charles gemendo,
teus olhos fechados
em quase pranto
- Ruby it's you -
e a certeza sentida
da tua presença.
Que mais preciso?

terça-feira, 2 de abril de 2013

O QUE FOI OUVIDO NO SILÊNCIO

Surpreende-me, ninguém ousou.
Tem repentes de desejo,
confessa um segredo,
  meu silêncio de todas as letras.
Rapta-me fora de hora,
surpresas e descobertas
exigem só a emoção
como consequência.
Tenta um braço de ferro,
mede a temperatura
pelas mãos se tocando,
confirma o menino
que percebo sorrateiro
entre teus olhos.
Entrelaça teu corpo ao meu,
chora sem medo tuas culpas,
cala as pessoas,
umedece-me,  exala teu cheiro,
inventa poesia, canta, lava minha alma.
Divisa um horizonte
possível de se sonhar.
Pois enquanto surge
rosa e azul esta aurora,
renasço em teu abraço
mulher.

De SEGUNDO TEMPO

segunda-feira, 11 de março de 2013

SOM DE HOJE


Eu sou o contratempo
a soar articulado
sobre um tempo fraco.
Sou também a parte fraca
desse tempo, disfarçada
em arrimo e força.
A emoção prolongada
substituída por pausas
constantes e várias.
Sou o acidente de percurso
a direcionar o curso
prolongado do outro,
marcando assim seu tempo
- quando deixo a sensação
de não se ter tentado tudo,
impulsiono a se tentar mais -
Ousando acompanhar
ou determinar um ritmo louco
de vida, eu me desfaço de mim
e me escondo em mudez.
Contendo a clareza
de se saber contratempo
sempre a engolir um soluço,
aplaudindo sarcasticamente
quando me assisto
alimentando de dor a alma.

POR TRÁS DO VIDRO FOSCO

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

PARADIGMA DE FORÇA




Não sou.
Pura invenção de pétala,
ostentando ousada
a rigidez crua
do orvalho pousado.
Memória de perfume doce,
adorno imáculo
e brilho de rumos.
Mas que se desfaz
ao vento contrário.
Sem redomas,
desfibrilada,
desfaçatez ácida
de morte.
Aí então paradigma:
quando se faz
húmus da alma.

de POR TRÁS DO VIDRO FOSCO

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Trecho de "ESBOÇOS IMPERFEITOS"

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           Na caminhada, um mosaico de lembranças se apresenta e lentamente vou juntando os pedacinhos.  É fascinante poder lidar com porões abertos, como visitante, olhando por cima deles.
Porões carregados, tudo o que possuo.  A dor me toma como a um templo.  Iluminando, parafinas derretem-se formando estranhas imagens na minha alma, contorcidas, acumulando transparências.
Perco o medo.  Gozo a minha capacidade de sentir a dor e não fazer dela a minha bandeira.  Porque bandeira mesmo é a nata dos sentimentos, todos grudados em minhas paredes rachadas, nos meus ninhos.  A consciência de que a dor e a poesia são universais, não-temporais, e nem por isso sou menos feliz. 
Porque bandeira mesmo é o paradoxo entre essa mesma dor e a vontade louca de viver, de amar cada segundo como um presente. O paradoxo entre querer passar a limpo os rascunhos todos, os ensaios de vida, e a certeza de se saber efêmero, passageiro como as folhas que eu vi lá fora.
            Lembranças são em que me agarro agora.  Ninhos delas.  Molas-mestras que fazem explodir os relâmpagos.  Um prato de sopa sobre a mesa, odor salgado de lar, meias furadas, contornos de unhas, rosto de criança dormindo, chuvinha molhando as plantas no quintal, feijão com toucinho e louro, um roupão no banheiro, Ray Charles cantando,  infindáveis lembranças. 
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            Pertenço ao mundo.  À minha poesia.  Perco o medo de mostrar-me.  Agora eu pari meu ser adulto, aquele que foi jogado no meio da noite, urinando de pavor, com as faces vermelhas. Agora eu pari meu ser adulto, aquele que aprenderá a carregar a dor e a acreditar na  extensão e profundidade do amor.
            Largos campos serão caminhados, os pés afundarão na terra e tocarás os vermes também.  Conhecerás cada célula do teu novo ser e todas elas responderão radiantes ao chamado da vida.  Enfim, terás a necessidade de chegar ao outro, integrar-se aos muitos seres e somente assim estarás plena.
            Era a minha voz que dizia e eu escutava perplexa.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

ELO



Santo, santo
é o que nos habita,
insiste e permanece,
apesar de tanto
nos esquecermos.
Santas, santas
são as palavras
proferidas em nossa boca,
ainda que derramadas
sobre as crianças
dormentes que somos.
Santas, santas
são as sementes
germinadas em qualquer terra,
promessa de amanheceres.
Santas, santas
são as semelhanças
vibrando ressonantes,
além do limiar da porta
que ousamos deslumbrar.
Santo, santo
é o espírito vagante,
fio condutor de luz
a nos lembrar.
Espírito Santo.

Do livro SEMENTES PARA
UM OUTRO TEMPO
(GERMINAÇÃO)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

DESLUMBRAMENTO (SALÃO DE BAILE)

E numa inusitada noite,
de tanto estar,
consegui adentrar no fundo
do meu lodoso poço.
E alguma coisa explodiu
dentro de mim.
Eu me vi tão leve
quanto uma bolha transparente
sobrevoando o ar.
Beijando o coração dos homens
sorri um sorriso novo.
E junto com os serafins
cheguei perto de Deus.