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Na caminhada, um mosaico de lembranças se apresenta e lentamente vou juntando os pedacinhos. É fascinante poder lidar com porões abertos, como visitante, olhando por cima deles.
Porões carregados, tudo o que possuo. A dor me toma como a um templo. Iluminando, parafinas derretem-se formando estranhas imagens na minha alma, contorcidas, acumulando transparências.
Perco o medo. Gozo a minha capacidade de sentir a dor e não fazer dela a minha bandeira. Porque bandeira mesmo é a nata dos sentimentos, todos grudados em minhas paredes rachadas, nos meus ninhos. A consciência de que a dor e a poesia são universais, não-temporais, e nem por isso sou menos feliz.
Porque bandeira mesmo é o paradoxo entre essa mesma dor e a vontade louca de viver, de amar cada segundo como um presente. O paradoxo entre querer passar a limpo os rascunhos todos, os ensaios de vida, e a certeza de se saber efêmero, passageiro como as folhas que eu vi lá fora.
Lembranças são em que me agarro agora. Ninhos delas. Molas-mestras que fazem explodir os relâmpagos. Um prato de sopa sobre a mesa, odor salgado de lar, meias furadas, contornos de unhas, rosto de criança dormindo, chuvinha molhando as plantas no quintal, feijão com toucinho e louro, um roupão no banheiro, Ray Charles cantando, infindáveis lembranças.
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Pertenço ao mundo. À minha poesia. Perco o medo de mostrar-me. Agora eu pari meu ser adulto, aquele que foi jogado no meio da noite, urinando de pavor, com as faces vermelhas. Agora eu pari meu ser adulto, aquele que aprenderá a carregar a dor e a acreditar na extensão e profundidade do amor.
Largos campos serão caminhados, os pés afundarão na terra e tocarás os vermes também. Conhecerás cada célula do teu novo ser e todas elas responderão radiantes ao chamado da vida. Enfim, terás a necessidade de chegar ao outro, integrar-se aos muitos seres e somente assim estarás plena.
Era a minha voz que dizia e eu escutava perplexa.