sábado, 28 de julho de 2012

Entendendo ser escritor - capítulo de Permanências Outonais de Vania Clares

“Na aparente desordem do movimento dos corpos, extasiado contemplo o absoluto da noite. E nesse absoluto imutável, onde meu corpo se move em constante noite, a desordem não é, senão a simetria perfeita para o milagre que surge, assim, no êxtase”

As sensações e arrepios multiplicaram.    Dotada de percepção pragmática, cultivava e alimentava essa particularidade, para registrar ainda mais tudo o que percebia.  Como se a acompanhasse uma legião de seres, reforçava tal certeza nesses momentos.
Dentro do ônibus, Viaduto do Chá, trânsito infernal, olha as pessoas apressadas, sente nos lábios o suor salgado e recebe todas as emanações que pairam sobre o conjunto que a enternece.  Paralelas que se encontram em algum tempo e se convertem em palavras.  Enquanto a avalanche das palavras ordena-se em frases, o arrepio percorre o corpo. 
Debruçou-se a outra compreensão e permitiu que transbordassem as palavras.  Seria nesse processo um instrumento, um elo para que a essência das coisas viesse ao todo.  Palavras carregadas da emoção que agora recolhia humildemente.  Seria a intérprete dos que sentem e não sabem falar, a propulsora dos que nada sentem e precisam sentir, a condutora dos necessitados de poesia.
Estava pronta para aceitar os seus pensamentos fora de ordem, repetitivos, incoerentes,  para emergir do limbo dos estáticos, para comungar das aflições dos perambulantes das noites, para exaltar o deslumbramento dos que se decidem olhar, para revelar o que há atrás das cortinas, para ousar se mostrar liberta na emoção.
Estava pronta para se curvar à força das ventanias, a se encharcar de chuva e a se levantar ao nascer do sol.