Dedicado aos meus netos brancos, pretos, mulatos, índios, mestiços, pobres,
ricos, aos que morrem injustamente todos os dias e ao futuro da nossa raça
humana
Sinto, provoca em mim a acuidade
quando a tua cor é estigmatizada
pela dor, escrava da alheia crueldade
durante tantos séculos hostilizada
Sinto, acredite, ainda não entendo
qual o peso da minha branquitude
se os mesmos sentimentos valendo
são iguais e tantos à tua negritude
Lembro que na escola, hora do recreio
eu chorava com a menina Raimunda
sem hesitação meu ombro era esteio
nascendo assim uma amizade fecunda
Nem sei porque nunca me incomodou
ela ser desengonçada e preta, cabelos
de nuvens e tranças, pelo que herdou
apelidos e agressões sem escrúpulos
Sinto, acredite, até hoje não entendo
a discriminação com vãs justificativas,
juntos assistimos a revolta corroendo
sem decretos e soluções assertivas
Por isso te digo, não somos culpados
pela nossa natureza e por sentirmos mais.
Por injustiças inúteis somos impactados
e optamos por acrescer aos desiguais
Entenda, me considero também minoria
ainda luto com garra para sobreviver,
também carrego dor na minha história,
mas não permito o opressor me envolver
Sou branca, pobre, velha e dependente
da luta, da minha e a tua força conjuntas
Somos diferentes por conta do excedente
nas nossas sãs humanidades distintas
Dize-me que não posso ter propriedade
do que encaras tendo a tua epiderme
Avalia quando respondo à tua criticidade
às vezes ser mulher comparam a ser verme
Vê, sou branca por acaso, também morro,
também ardo, também arrasto estigmas,
signos e sinas, e como tu também recorro
ao despejo de palavras cabíveis e legítimas
Aconchego-me ao teu ombro tal Raimunda.
Em comum nos move a inabalável esperança
de que um dia nos encubra aura rotunda
onde poderemos conviver em temperança
Onde vidas sempre importarão