sábado, 31 de julho de 2021

EXCLUSÃO INGRATA

O homem privado de espelhos

entre os duros muros erguidos,

não se atreve aos conselhos

generosos, outrora proferidos.

 

Já não se vê no rosto o tempo

acumulado de inúmeros feitos,

a lição recolhida, o lamento

preso nos seus olhos contritos.

 

Restou o que na alma macerou,

a luta da sua intensa história.

Do quase silêncio se apoderou,

no esquecimento a sabedoria.

 

Obedece à rotina penosa

de controlar morosos passos

e ninguém quer a sua prosa

nem seus sorrisos escassos.

 

Anularam a sua intervenção,

calaram a sua voz. Um intocável

sem tato, sem cheiro, sem função,

sem palavras, insignificável.

 

Até a sua consciência escolheu

refugiar-se dócil na demência,

só repassando o que viveu.

A realidade é nula de essência.

 

Hoje o homem é o que defasa,

dispensável memória arquivada.

Nos sulcos do rosto extravasa

a morte decretada, antecipada.

sábado, 24 de julho de 2021

MEU SILÊNCIO


 

Hiberno às vezes,

sei que preciso

preservar a essência,

a que restou dos reveses.

Em meio à resiliência,

ao afrontar o inconciso,

alieno-me em socorro

do que me é sagrado

no instante em que choro.

O impasse deflagrado

também aponta rumos,

(entre as sombras

há o sentir santificado

exposto em metáforas,

fluindo em húmus).

Esgoto em compaixão

recorrendo ao subterfúgio,

o de mim me apropriar.

Que venha o presságio

do amor a me contagiar,

pela vida a ressurreição.


sábado, 17 de julho de 2021

LUZ INSÓLITA


 

Nem tudo beira o possível

quando negamos o inesperado.

Acumulamos véus de incógnitas,

não saberes no peito dilacerado,

e mesmo na expectativa indelével,

no indivisível entre súplicas aflitas,

nada se move ante as estáticas.

As chamas acesas da lembrança

ardem perenes por vezes catárticas,

em meio à sagração da esperança.

Mas a luz vence o entrave do vitral

e se declara liberta para versar

e, recorrendo a um efeito teatral,

envereda pelo ilógico ao ousar.

Tudo é possível quando o querer

vence e independente da ferida

ainda pulsa e vem nos socorrer

o chamamento, o clamor da vida.


segunda-feira, 5 de julho de 2021

OSCILAÇÕES


 

O que move a minha essência,

não delibero e nem negligencio,

às vezes acompanha a vivência

ou do que pousa em resquício.

 

(Cabe no sonho a perpetuidade

dos momentos, do tempo vivido,

do que foi intenso, da saudade,

no embaraço do suspiro vívido).

 

E enquanto penso que invento

mil alquimias que magnetizem

a sorte almejada como intento,

em vãs realidades se desfazem.

 

Ensaio à toa controlar devaneios

que brotam incisivos nos versos,

atados, camuflados, entremeios,

às vezes suplícios, ora remansos.

 

Escolho então desviar da indolência

e vibrar a alma solta em quereres.

Acato a poesia em plena conivência

esperançando meus alvoreceres.

 

Que haja fervor no que me abraça

mesmo nos passos inconstantes,

que jorre a palavra sem mordaça

mesmo que oscile em rompantes.

 

Nos fúteis planos que o desejo induz

resta o renitente dom que me sustenta.

No inesperado vislumbro o que traduz,

possível tormenta ou o que apascenta.

 

Não conceberam alquimia ou anestesia

para anseios d’alma no ápice da poesia.

Entrego-me à exaltação, em sinestesia,

deixo vir o que me arrasta e me extasia.