sexta-feira, 15 de agosto de 2014

SIMPLESMENTE CRIANÇAS

Saio cedo quase todos os dias e vejo crianças sendo levadas às creches a pé, de bicicletas sob a chuva, enroladas em cobertores, arrastadas, sonolentas. Pais e mães correndo, porque o trabalho os espera e se eles pensam no que esperam amanhã, não saberiam dizer. Eu devo transparecer o que penso. Fatalmente me lembro da criança quieta que eu fui, quieta demais, pensativa, que via coisas. Via vultos, ouvia sussurros na noite e ardia em febre depois. Consequências, somatização, vivências. O que me sobrava era a imaginação. Deitada de costas no corredor estreito, do céu surgiam insetos de outros planetas, borboletas gigantes, gnomos. Imaginação um pouco colhida nos livros, nos livros mofados que tanto me salvaram, e assim me acostumei a imaginar, a sonhar, sábia saída quando se é criança. Mas a realidade bate com força e enxergamos. Sim, no plural, bem lugar comum. Por mais que acreditemos em superação ainda existe tanta miséria, tanta dor, tanta privação, tanta luta. Sobreviver passa a ser a meta e não viver. E por mais poesia que ainda possamos sentir, sentimos-nos impotentes. Como consertar algumas vidas, traçar outro rumo para essas crianças que desde cedo são castigadas? Pelo que? E se pensarmos em destino e indo mais além, que dizer das crianças imóveis sob as bombas, as crianças com fome, nuas no frio, as drogadas, alheias, as espancadas, estupradas, as pedintes remelentas, mãos imundas, as crianças destinadas a serem corpos sem alma, destituídas da vontade, filhos de ninguém largados no mundo. Tudo denuncia a crueldade desumana. Simplesmente crianças, o futuro! Não me falem em Deus nessa hora, nem em fatalidade nem escolhas. Ele chora como eu choro e como agora se contorce a criança dentro de mim...

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