terça-feira, 4 de agosto de 2020

OLÉ MEU PAI


Aprendi muito cedo

a considerar a sobriedade

ao olhar nos olhos

e no tom da voz

das palavras despejadas

Aprendi com ele

que o silêncio nem sempre

significa calmaria

e de como se encobre

o turbilhão da raiva

e como se alavanca

tempestivas iras

Aprendi a anestesiar

para sobreviver

e que o corpo se move

às vezes como obedecendo

a uma programação imposta

não pensada e da vontade

Aprendi também

que às vezes é mais do que preciso

obedecer à interna sina

e liberar a fantasia que sabes

ser a tua própria real e sentida

E como vale também o direito

de desejar a alegria e dançar

o ritmo que te lembra de vida

Aprendi que o amor

não requer grandes feitos

nem sequer constantes gestos

Na cumplicidade de um olhar

pode se resumir o orgulho

e a gratidão pelo que timidamente

não se ousa vangloriar

Ele não sabia dizer

mas trazia nos ombros

caixas com frutas e peixes

e caranguejos vivos

vermelhos como seu rosto

castigado de gelo e sol

E um dia chegou

com um lobinho de borracha

colorido e de assobio

que durou até derreter

Ele nem sabia dizer

mas quis me ensinar os passos

de um tango rasgado

e carregava na carteira

uma foto amarrotada

Quase sem querer falava

filha te amo


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