sábado, 3 de abril de 2021

AUTOCRUCIFICAÇÃO


 

Um homem derrama grãos

pelas escadas do templo,

mistura-se aos pagãos.

Estanca no degrau amplo

onde também cabe Judas

e além dele, muitas divisas.

Nas faces úmidas desnudas

tremulam lágrimas tensas.

Enquanto recebe o beijo

tilintam as trinta moedas,

escuta também o regozijo

dos brutos em suas quedas,

e perdoa os falsos que pregam

e o coroam rei dos vermes.

Gritam em cólera e subjugam

exibindo mentes disformes.

(Nos presentes judas as promessas

ludibriando humilhados pobres,

submetendo ao poder as massas

de seres escravizados, milhares.

Os cascos estalam no asfalto,

jazem meninos aos jorros,

mães de mãos calejadas ao alto

imploram da justiça o socorro).

Escorre sangue entre espinhos

enquanto o silêncio vela a morte.

Estarrecido entre os daninhos

busca o salvamento que exorte,

algum sentido que justifique

a violência diante da equidade,

se ainda há algo que dignifique

os que vislumbram a unidade.

Proclama-se lírico o deus homem.

Faz do grão palavra que floresce

curando as dores que oprimem.

Milagrosamente todo dia ele renasce

e avisa, ainda é tempo de plantio,

ainda é tempo de estender as mãos.


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