O pai sempre levava para o seu lazer, revistas em quadrinhos.
Tudo bem se não fossem de terror. A
criança de sete anos lia tudo o que aparecia à sua frente, inclusive gibis. À
noite, não raramente, a menina cobria a cabeça para não olhar o breu e as
janelas altas do quarto.
Certa noite levantou-se para beber água, muito apreensiva.
Para ir à cozinha teria que atravessar a sala da casa antiga. O assoalho rangeu
ecoando até o teto alto e os móveis escuros, pesados, acentuavam a austeridade.
O ambiente só se alegrava aos domingos, quando a avó recebia a família, muitas
crianças invadindo os corredores, porões, tios que gargalhavam e tias que
papeavam na cozinha.
Pois bem, nessa noite marcante na vida da menina, assim que
adentrou a sala, gritou estridentemente assustando a todos. Apontava para o
centro afirmando ter visto um homem, com roupas marrom claro, de botinas sujas
de terra e de chapéu. O avô correu pegar uma arma e ele, a avó, a mãe e o pai
procuraram por todos os cômodos o possível invasor. Mas nenhum sinal de porta
arrombada foi notado, deduziram tratar-se de um pesadelo da coitadinha,
crianças são frágeis, provavelmente ficou impressionada pelas leituras
indevidas.
No dia seguinte, a menina, dotada de imaginação, ainda contou
que sabia de onde ele tinha vindo. Afirmou com muita certeza que já havia
estado no sítio onde no meio de muito mato reinava uma casinha simples e de paredes
gastas, com uma fraca luz amarela iluminando. Descrevia em detalhes a chegada
por uma estrada de onde se avistava essa paisagem. E só gritou pela surpresa e
susto. A avó até riu, a descrição
caberia bem nas paragens dos seus antepassados, mas não comentou, afinal fazia
tanto tempo que tudo aquilo acabara e talvez nas conversas domingueiras tivessem
dissertado velhos tempos.
Foram sete dias de febre intensa, quando a menina silenciava
por longas horas e se falava era para lembrar-se da visita. Aos poucos os
adultos não mais quiseram tocar no assunto nem entre eles, e disfarçavam quando
a menina queria contar de novo a aparição.
O fato é que, curiosamente, no dia seguinte ao ocorrido, a
mãe a entrar na sala encontrou marcas de terra no lugar onde supostamente
esteve o homem, só ali. Mais curiosamente ainda é que a menina depois disso
perdeu o medo. Trocou o dia pela noite e muitas vezes foi pega perambulando tal
sonâmbula parecendo até sussurrar e anotando coisas num inseparável caderninho. Com o que se acostumaram. Todos concordaram que era melhor esquecer o
que não tem explicação.
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