terça-feira, 16 de março de 2021

EXALTAÇÕES BLOQUEADAS


 

Quero desobrigar a ordem das rimas

mas altivas predominam, gozadoras,

as palavras borbulham especialíssimas

enquanto as denomino  assustadoras.

 

Deve ser efeito da causa deprimente

do que vivemos e, para não sucumbir,

acato exercícios fartos para a mente

conformar-se vigilante e não imergir.

 

Porque na verdade prefiro os versos

sem fronteiras, vazios de imposições,

estalos mágicos que surgem dispersos

como atalhos para as contemplações.

 

Permito hoje dar passagem à aflição,

Acostumar  em algum lugar de mim

os murmúrios das dores, contradição

que acompanha o paradoxo sem fim.

 

Hoje me condeno ao tormento, absorver

o caos sem direção, cenário de guerra,

dantes, nunca tendo tanto a transcrever

do total desamparo que assolou a terra.


Assisto às pessoas cansadas, empatia

escassa em muitos, irresponsabilidades,

descaso,  manipuladores da pandemia,

indigesta pobreza, nojentas sociedades.

 

Por isso a palavra contida, reticente,

enclausurada, extraviada, indefinida,

reservando o pobre quase evanescente

cântico para quando eu ensandecida

 

puder abraçar de peito encostado,

respirar sem máscara, sem perigo,

dançar uma noite de rosto colado,

saciar lesa a fome a que me obrigo.

 

Enquanto vêm as notícias das mortes

acumulo mágoas e alguma esperança

de retornarem os tempos complacentes,

quando sentia a vida como uma criança.

 

Eu anotava em papéis as impressões

recolhendo energizada e redundante

as minhas e dos outros as sensações,

e depois as unia ao poema inebriante.

 

Chega de dores, quero a minha alegria

de volta, basta de clausura e austeridade.

Quero saborear ainda o devir com euforia

e anunciar extasiante o gosto da liberdade.


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