terça-feira, 1 de setembro de 2020

CAIO FERNANDO ABREU


 

Privilégio meu, lá pelos idos de 1989, ter participado durante alguns meses de uma oficina de contos com a coordenação do Caio.  Queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que escrevi, assim registrou. Dentro dessa humildade e por pensar assim, conquistava as pessoas com bilhetes, beijos em forma de palavras, apelidos carinhosos. Tudo para ele era intenso, entregava-se por inteiro. No final do curso, abriu a sua casa para brindarmos,  como se quisesse mostrar tudo de si, além dos livros. No seu apartamento, parecia tudo meticulosamente escolhido e associado a fortes lembranças, o tapete indiano surrado e colorido contrastando com a mesa antiga, coberta de cinzeiros atolados de bitucas que se misturavam aos incensos e pedras coloridas.  Nunca vi alguém mais elegante ao segurar o cigarro, quase um ritual. No parapeito da janela uma azaleia, presente de uma amiga que também acompanhava a nossa reunião. Mais tarde, eu soube do seu cuidado com a plantinha e do quanto escreveu para essa filha que ganhou. Era assim, tudo era importante e atribuía valores místicos. Impossível não notar enquanto fixou seu olhar demoradamente para a capa de um disco de vinil da Elis, entre Maysa e Maria Bethania. Parecia recordar de uma grande dor, um grande amor.  Dava para imaginar a história que passava por sua cabeça, olhos vidrados, quase lacrimejando. E de repente, já estava rindo, feliz como uma criança quando recebe um amigo. Tudo deslumbrava epifania. O melhor anfitrião que conheci. Todos nós tínhamos em comum a vontade de escrever e absorvíamos as mínimas mensagens que generosamente o mestre nos doava. Incentivava-nos demais, por ele todos deveriam escrever, tão apaixonado era pela sua arte. Caio F, com muita simplicidade, nos prestigiou com emoção e intensidade, da mesma forma que viveu, intensamente. Foi dessa forma que me importei mais com o meu trabalho enquanto escritora,  e também desejei ser amada através das minhas palavras.

 

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