Meu
amor, meu amigo,
passei
a noite relendo tuas cartas, daquele tempo em que desenhavas flores coloridas e
com tanto carinho que eu podia sentir tua pele, teu suor impregnado no papel.
Nunca havia recebido cartas assim, com selo do correio e tudo. A fissura de ir
num canto escondido para absorver a leitura, egoisticamente. Reli todas, as que
escreveste em longas ausências físicas, nos momentos de desabafo, quando esmorecíamos,
ora eu, ora tu. A vontade é de pregá-las todas na parede, para não esquecer que
houve sim, cumplicidade e compaixão mútua. Lembrei-me das nossas risadas, das
longas conversas na mesa da praça, tomando cerveja e anotando nossos projetos,
sob o sol das tardes frias. E também chorávamos à toa, de mãos dadas. Quando
era descoberta e tato. E emoção.
Difícil
deduzirmos como passamos a outro estágio. O de não externarmos ou não
precisarmos mais, como se tudo o que sentimos já soubéssemos e falar, falar
sobre, seria redundância ou exagero. Ou o contratempo da partitura que não ousamos
acompanhar e perdemos o compasso. Ou quando o tempo nos intuiu atitudes ou
imprecisões e nos envergonhamos de nossas fraquezas. Ou talvez tenhamos cansado
de esperar vencermos o medo. Assumir outra vida repleta de barreiras e percalços,
nos perderíamos? Ou nos adivinhamos
demais quando acordávamos juntos. Ou talvez o temor de que nos roubassem de
alguma forma o que transbordou de nós.
Não
creio em sentimentos mornos. Amor é para ser exemplificado e suntuosamente,
explicitamente mostrado. E tudo vira poesia e deixo em meus poemas a infinitude
para te descobrires. Aí, até concordo, decerto dirás, não adianta só escrever o
que produz o imaginário. Entregar-se e viver a poesia é que daria alma a ela.
Intenção e verdade. Por isso já quis te poupar da minha covardia muitas vezes.
Ao mesmo tempo não te deixo ir e te peço perdão por isso.
Mas
preciso que saibas: imaginar-me não te sentir é o mesmo que me ver retalhada.
Somente nossas solitudes são completas.
Se
puder, por tudo que ainda há, escreva.
Desde
sempre, Vania Clares
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