Caro
poeta amigo,
do poema que
eu te mandei, o Voo dos Anos, hoje a impressão dele se completou inteira. Ficou
no ar, nas entrelinhas, o que deixamos de contar. Por isso te escrevo.
Aproveito agora, é quase de manhã e porque ainda preciso que saibas. Sempre é
tão difícil falar e deixo nos porões não só o passado, como também o que
perco, as oportunidades. Não aprendi.
Quando repasso o filme, percebo o que não atentei no momento.
Percebo
agora com clareza a nossa fragilidade, a sensível aparência de colocarmos
sempre a emoção à tona, à frente comandando as nossas ações. De tudo que
relembramos da juventude, ainda conservamos a atitude vã de assumir os pecados
do mundo, de carregar tantas culpas injustamente. Amigo, somos tão parecidos,
tão infinitamente integrados, inteirados a sentimentos, poucos se
identificariam. A nossa necessidade tão visível, às vezes assusta e afasta as
pessoas. Mas não é solidão o que sufoca, é o não feito. Até nos confortamos com
a solidão, como um ajuste a ser feito sempre. Mas há a sensação de pouco tempo.
Ou será porque queremos algo mais dessa louca corrida. O tempo. O implacável cobrador. Ao menino,
acrescentou prematuros cabelos brancos, o receio de sorrir, olhos tristes, o
medo de ferir. À menina foi dado o mesmo medo. Mas a própria natureza a fez mais
prática. No milagre da vida lhe rompem as entranhas e mesmo com fome seus seios
alimentam. Tão sublime e tão cruel, tão poético e tão real, incoerente. Reage diferente, sorri e esconde as lágrimas,
emerge na roda viva e agarra-se em seus próprios argumentos para sobreviver.
Mas conseguimos apesar de tudo, enfrentar nossas escolhas com muita fibra, eu
sinto.
Vejo-te
agora, depois de explodir teu nome na memória, num repente um banco de praça, a
pureza, inevitável lembrança. Como é bom termos tanto para lembrar e gostar, é
como possuir tesouros sem ter que explicar muito. Posso dizer, foi muito bom te reencontrar.
Mas se meu impulso maculou algum sonho bonito ou deturpou a imagem de cabelos
ao vento, perdoa-me. Não quero te fazer
mal. Quero antes de tudo ser tua amiga e te peço: não deixes mais que a dor te
envolva, não contribuas para teu tempo ser menor. E escreve tudo. Leia-se e
encontre-se nas palavras. Porque
precisamos, apesar das pedradas e tantos tombos, viver, com humildade e força
para recomeçar. Viver, e mesmo na presença do desamor ter alguma coisa a dar.
Somos ricos em sensibilidade e acolhida. Viver te peço, pois ainda resta uma
brisa na noite e um gesto de carinho a nossa espera.
Desde
sempre, Vania Clares
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